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Política

Os atrasos e omissões de um Ministério da Saúde provisório

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O Ministério da Saúde completou 17 dias na segunda-feira (1º) sem um titular em seu comando. Desde meados de maio, o órgão é conduzido de forma interina pelo general da ativa Eduardo Pazuello, que não tinha experiência prévia em gestão de saúde.

Antes, ele era secretário-executivo do ministério por determinação do presidente Jair Bolsonaro, sob a justificativa de que o militar cuidaria da logística de distribuição de insumos aos estados na pandemia do novo coronavírus.

Na ausência de um titular, Pazuello é quem responde temporariamente e toma as decisões finais pela pasta até que seja designado um novo ministro, que pode ser o próprio general, caso o presidente decida efetivá-lo no cargo. O militar, porém, tem dito a interlocutores preferir permanecer como interino para evitar uma “quebra de hierarquia” (Pazuello é general de divisão, chamado de três estrelas, e está abaixo de generais quatro estrelas e da reserva que ocupam outros ministério do governo).

Bolsonaro também pode mantê-lo como interino por tempo indeterminado para evitar um desgaste ao nomear alguém fora de seu círculo de confiança.

Os ministros da Saúde não precisam ser necessariamente médicos (a pasta já foi comandada, por exemplo, por José Serra, que cursou engenharia e depois estudou economia), embora seja desejável pela comunidade médica e pelos demais profissionais da saúde que o encarregado pela função tenha conhecimento e experiência na área.

Longe das metas estabelecidas
Os dados apresentados pelo governo federal até aqui indicam que o ministério não está conseguindo atingir as metas que traçou.

Em abril, foram prometidos 46,2 milhões de testes aos estados, sendo que, desse total, 24,2 milhões eram do tipo PCR (que identificam a presença do vírus no organismo a partir da coleta de secreções da garganta do paciente) e outros 22 milhões de testes rápidos (feitos a partir de amostras de sangue para apontar se o indivíduo possui anticorpos contra o vírus).

Mas apenas 10,6 milhões haviam sido entregues (3,1 milhões de PCR e 7,5 milhões de testes rápidos) até a segunda-feira (1º), segundo dados do próprio Ministério da Saúde. O cronograma previa a disponibilização de ao menos 17 milhões dos dois tipos até o final de maio. A pasta afirma que, devido à baixa oferta, tem tido problemas com fornecedores.

526.447

era o número de casos confirmados de covid-19 no Brasil até a segunda-feira (1º), segundo o Ministério da Saúde

29.937

pessoas morreram devido à doença até a mesma data, de acordo com o órgão

Os problemas não dizem respeito apenas aos testes. Os respiradores também não chegaram. O governo havia adquirido em abril 15 mil aparelhos no exterior, mas a compra foi suspensa por falta de garantia na entrega.

O ministério, então, tentou comprar 14.100 respiradores de fabricantes nacionais, mas apenas 1.612 já foram entregues. A meta era ter distribuído 7.000 deles até maio. O governo diz que as empresas nacionais dependem de peças importadas que não chegaram.

No início da pandemia, decretada em 11 de março pela OMS (Organização Mundial da Saúde), o governo federal também anunciou que alugaria 3.000 leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) temporários nos estados mais afetados pela doença. Só 540 foram contratados.

O órgão diz que chegou a abrir um edital para 2.000 leitos extras, mas não houve interessados na proposta. O ministério afirma já ter investido R$ 882 milhões nos demais leitos.

A ideia de instalar um centro de diagnóstico emergencial em cidades com mais de 500 mil habitantes, numa iniciativa conjunta com a rede privada de saúde, tampouco saiu do papel.

O Ministério da Saúde afirma que tem se esforçado para ampliar a compra e a distribuição de testes, respiradores e equipamentos de proteção dos profissionais de saúde. O órgão diz ainda que as entregas desses itens estão sendo feitas de acordo com a necessidade de cada estado.

O presidente do Conass (Conselho Nacional de Secretários de Saúde), Alberto Beltrame, afirmou ao jornal Folha de S.Paulo que as medidas anunciadas pelo governo federal “se frustraram” e acabaram tendo um “impacto muito forte nas gestões estaduais”, pois elas tiveram que buscar alternativas por conta própria e foram “jogadas a um mercado perverso”, com preços altos e dificuldades de fornecimento.

Já o presidente do Conasems (Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde), Wilames Bezerra, disse ao jornal que muitas das ações que estão sendo feitas agora pelo ministério deveriam ter sido realizadas 60 ou 90 dias antes. Ele cobrou uma política do governo federal mais bem definida no combate à doença.

O agravamento da pandemia
Desde o início da crise sanitária, três nomes comandaram o Ministério da Saúde. Pazuello assumiu a função no pior momento da pandemia. Em apenas 17 dias como interino, os casos de infectados pelo vírus cresceram 141%, e as mortes, 102%. Metade de todas as vítimas da covid-19 no Brasil morreram no período com o general à frente da pasta. Em sua gestão, também foram registrados 58,5% de todos os casos.

Como o crescimento da pandemia é exponencial, ou seja, ela começou gradualmente até se acelerar rapidamente, o agravamento já era esperado. Em abril, o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta já havia dito que maio e junho seriam os meses “mais duros” da pandemia.

Mandetta permaneceu 50 dias no cargo após o primeiro caso identificado no Brasil, em 26 de fevereiro. Ele foi demitido por Bolsonaro em 16 de abril, por adotar um discurso alinhado à ciência que preconizava o distanciamento social como a única forma de tentar conter o avanço da doença sem o colapso do sistema de saúde. Quando ele deixou o cargo, eram 30.449 casos e 1.933 mortes.

Seu substituto, o também médico Nelson Teich, permaneceu apenas 28 dias no órgão. Ele demonstrava desconhecer os problemas enfrentados pelos estados e municípios e não conseguiu montar sua própria equipe.

A nomeação de Pazuello como número dois da pasta por Bolsonaro foi vista como uma forma de tutela do presidente. Teich pediu demissão em 15 de maio por não concordar em alterar o protocolo do uso da cloroquina, remédio para a malária que não tem eficácia comprovada contra a covid-19 e pode causar graves efeitos colaterais. O Brasil tinha 218.223 casos e 14.817 mortes quando ele deixou o cargo.

Bolsonaro já sinalizou que Pazuello vai “ficar por muito tempo” como interino. “Não vou mudar não. Ele é um bom gestor e vai ter uma equipe boa de médicos embaixo dele”, disse em 20 de maio. Segundo o jornal O Globo, o presidente também quer que o interino atue para “desbaratar” esquemas de corrupção na pasta.

Em 18 de maio, em seu terceiro dia como interino, o general omitiu durante participação online em assembleia da OMS a gravidade da crise sanitária no Brasil e afirmou que “o governo federal acessa diariamente a situação dos riscos e apoia cidades e estados com os recursos necessários para reduzir os efeitos da pandemia”.

Sob a direção do general, o Ministério da Saúde modificou o protocolo sobre o uso da cloroquina liberando a substância, antes restrita a casos graves, também para manifestações leves da doença, o que foi visto com preocupação por médicos, já que uma série de estudos internacionais aponta que o remédio não funciona e pode colocar o paciente em risco. Em 27 de maio, a OMS (Organização Mundial de Saúde) excluiu a cloroquina da lista de opções para tratar doentes do novo coronavírus.

Pazuello também nomeou militares para postos-chaves do órgão. Até 22 de maio, ao menos 21 nomes saídos das Forças Armadas trabalhavam na pasta. O general defendeu a iniciativa dizendo que os escolhidos estavam prontos para lidar com a crise.

“Neste momento, precisamos desse tipo de preparo para somar às especialidades médicas, farmacêuticas, de enfermagem, da área da saúde. Para que as duas áreas juntas possam efetivamente dar uma resposta organizada, célere e adequada a cada lugar”, disse.

Segundo ele, as nomeações são temporárias e serão substituídas aos poucos. Desde a saída de Mandetta, houve uma debandada de quadros técnicos e funcionários de carreira insatisfeitos com a condução do ministério em meio à pandemia.

Ao deixar o cargo de secretário nacional de Vigilância em Saúde em 25 de maio, o enfermeiro epidemiologista Wanderson Oliveira, publicou uma carta em que diz que no início da crise o Brasil estava pelo menos duas semanas à frente em relação aos países mais atingidos pela covid-19, e que vinha ampliando a “capacidade laboratorial, leitos, EPIs [equipamentos de proteção individual e respiradores”.

“No entanto, como dizia o poeta e conterrâneo Carlos Drummond de Andrade, ‘no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho’”, escreveu. A frase foi entendida como uma referência a Bolsonaro, um dos únicos chefes de Estado do mundo que minimizam a gravidade da doença e que trabalha contra medidas de isolamento social adotadas pelos governos locais. (nexojornal)

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