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A responsabilização de Bolsonaro na pandemia sob análise

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Do negacionismo quanto à gravidade da pandemia à aposta em remédios sem eficácia comprovada contra o novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro coleciona questionamentos em relação à sua atitude na maior crise sanitária global do século 21.

Com quatro meses de pandemia, até 12 de julho o Brasil acumulava 1,8 milhão de casos confirmados da doença e mais de 72 mil mortos. Os números só são menores que os dos Estados Unidos. Em 7 de julho, Bolsonaro afirmou ter sido diagnosticado com a covid-19.

A rejeição ao presidente tem aumentado na crise. Em paralelo, iniciativas tentam responsabilizá-lo legalmente na Justiça e no Congresso, com pedidos de impeachment. Diante do quadro, o Nexo ouviu dois cientistas políticos e dois professores de direito sobre os impactos políticos e jurídicos dos gestos e das decisões presidenciais. Antes, um breve resumo do que Bolsonaro disse e fez até aqui.

O presidente na pandemia
NEGACIONISMO

Bolsonaro é um dos poucos chefes de Estado que minimizam a gravidade da pandemia. A covid-19, que já matou mais de 500 mil pessoas ao redor do mundo, já foi chamada pelo presidente de “gripezinha”. Apesar do consenso científico de que medidas de isolamento social são necessárias para conter a propagação do vírus, Bolsonaro ataca as quarentenas decretadas por governos locais e afirma que mortes são inevitáveis

AGLOMERAÇÕES

De março a maio, Bolsonaro participou de protestos contra o Congresso e o Supremo e provocou aglomerações ao visitar estabelecimentos comerciais e cumprimentar apoiadores. Em diversos desses episódios, o presidente estava sem máscara, contrariando decreto do Distrito Federal

INVASÃO DE HOSPITAIS

Em live no Facebook, Bolsonaro incentivou que seus apoiadores entrem em hospitais e filmem a ocupação de leitos, o que viola o direito de privacidade dos pacientes e pode causar mais contaminações. O presidente diz, sem provas, que há uma supernotificação de mortes por covid-19 no país. Segundo relatórios da própria Abin (Agência Brasileira de Inteligência), o número de casos da doença pode ser, na verdade, de oito a dez vezes maior do que o notificado

TROCAS DE MINISTROS

Sob o comando interino do general da ativa Eduardo Pazuello, que não tem experiência prévia na área, o Ministério da Saúde está há dois meses sem um titular. Os ministros anteriores, Nelson Teich e Henrique Mandetta, deixaram o cargo por divergências com o presidente

APAGÃO DE DADOS

Sob a gestão Pazuello, o Ministério da Saúde parou de divulgar o número acumulado de casos e mortes pela covid-19. Também passou a postergar o horário de divulgação dos dados, o que atrapalha sua divulgação pela imprensa, como o próprio presidente reconheceu e celebrou. A divulgação dos dados se regularizou depois de ordem do Supremo e do surgimento de iniciativas independentes de apuração

CLOROQUINA

A defesa da cloroquina no tratamento da covid-19 se tornou a maior bandeira de Bolsonaro no combate à pandemia. Mas estudos apontam que o remédio não tem eficácia contra a doença. Mesmo sem respaldo científico, Bolsonaro forçou a demissão de dois ministros da Saúde após pressionar por uma recomendação de uso mais amplo do medicamento. Depois de anunciar o diagnóstico com a doença, o presidente continuou a fazer propaganda da cloroquina em suas redes sociais, agora usando o próprio caso como exemplo. Ele também determinou que o Exército aumentasse sua produção da droga

MÁSCARAS

Bolsonaro vetou trechos de lei que, entre outras provisões, tornavam obrigatório o uso de máscaras nos presídios e em “estabelecimentos comerciais e industriais, templos religiosos, estabelecimentos de ensino e demais locais fechados em que haja reunião de pessoas”. Os vetos ainda podem ser derrubados pelo Congresso e estão sendo questionados no Supremo Tribunal Federal por ações do PT e do PDT

COMUNIDADES VULNERÁVEIS

Outra lei, sobre o enfrentamento da covid-19 em comunidades tradicionais, teve trechos vetados por Bolsonaro. É o caso do ponto que liberava verba para a saúde indígena e o que exigia do governo a facilitação do acesso dessas comunidades ao auxílio emergencial

EXPLICADOPandemia: origens e impactos, da peste bubônica à covid-19
ÍNDEXTudo sobre Coronavírus no Nexo
GRÁFICOQual o material mais eficaz para máscaras, segundo este estudo
Os impactos políticos das ações do presidente
Bolsonaro pretende se candidatar à reeleição em 2022. Na pandemia, o presidente destaca em seus discursos sua preocupação com o lado econômico da crise. Também tenta deixar para governadores e prefeitos os ônus políticos do enfrentamento ao vírus em si, como o desgaste pela imposição de medidas de distanciamento social. Isso ocorreu especialmente depois que o Supremo reconheceu a atribuição de governadores e prefeitos para decretar quarentenas, mas sem isentar o governo federal de coordenar o combate à pandemia. Sobre esse tipo de atuação e seu impacto na sustentação política do presidente, o Nexo ouviu:

Carlos Melo, professor de ciência política do Insper
Vera Chaia, professora de política da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica)
Qual o impacto político do resultado da pandemia sobre Bolsonaro?
CARLOS MELO Uma coisa é a pandemia se agravar, e a liderança política se mostrar presente, empática, preocupada em unir o país. No caso de Bolsonaro, os gestos do presidente revelam uma postura, do ponto de vista da cidadania e da solidariedade, deplorável. A preocupação com a economia logicamente é importante, mas para a fome, para a miséria, já há uma vacina: políticas públicas de auxílio financeiro e de acesso a crédito. O problema sanitário é mais complexo, mas o presidente lava as mãos e joga todo o problema para cima dos governadores.

Com tudo isso, a fatia do eleitorado que apoia Bolsonaro está chegando no limite. Ele ganhou uma eleição em 2018, e agora 70% do eleitorado não o apoia mais. Até porque os problemas de desorganização do governo não se limitam à questão da pandemia. Vão para meio ambiente, para educação. Então é muito difícil imaginar que uma pessoa possa sair de um processo desses fortalecida politicamente. E o centrão [grupo de deputados de partidos variados que costuma apoiar o governo em troca de influência no Executivo] historicamente começa a planejar a transição assim que percebe que aquele governo não tem mais futuro em termos de popularidade.

Os 30% que o apoiam ainda precisam ser melhor compreendidos, por pesquisas qualitativas. Há quem diga que o núcleo duro mesmo, aqueles que estão com Bolsonaro acima de qualquer questão, é algo em torno de 12% a 15%. Os que o apoiam, mas com críticas, se mantêm no grupo por um viés confirmatório de um voto que deu em 2018. É muito mais um antipetismo renitente, uma antipolítica resistente, do que um apoio efetivo a Bolsonaro. Essa fatia ainda pode portanto abrir mão do apoio ao presidente. Isso dependerá dos resultados da pandemia, mas também de esse grupo perceber a existência de uma alternativa ao petismo, politicamente viável.

VERA CHAIA Não podemos afirmar que os resultados negativos da pandemia irão impactar o apoio político a Bolsonaro. O presidente e a propaganda política de seu governo tentam encobrir esses resultados e, em relação a uma parte fixa do eleitorado, conseguem. No Congresso, o crescimento das críticas é contornado com a oferta de cargos e de vantagens políticas ou financeiras. Os bolsonaristas, uma faixa de 25%, 30% dos eleitores, seguem as orientações do mestre, inclusive no tocante ao desprezo pela ciência. Estamos acompanhando uma cobertura jornalística crítica ao comportamento do Bolsonaro, mas seus eleitores negam os dados apresentados.

No âmbito econômico, o número recorde de desempregados pode impactar a popularidade de Bolsonaro. Por outro lado, o auxílio emergencial reforça positivamente o governo. Como se vê, ainda precisamos acompanhar as pesquisas de opinião, mas o que temos observado é que uma parte do eleitorado parece manter sua avaliação positiva do governo independentemente dos resultados da pandemia.

As responsabilidades legais do presidente
Dezenas de pedidos de impeachment, parados na mesa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tentam responsabilizar Bolsonaro por suas ações e omissões durante a pandemia. O presidente também é alvo de representações criminais, dirigidas à Procuradoria-Geral da República, sob o comando de Augusto Aras. Sete foram arquivadas, mas depois disso ao menos duas outras já foram apresentadas. Sobre a viabilidade dessa responsabilização, o Nexo ouviu:

Carlos Ari Sundfeld, professor de direito administrativo da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas)
Conrado Hübner Mendes, professor de direito constitucional da USP (Universidade de São Paulo)
Bolsonaro pode ser responsabilizado legalmente pelo resultado da pandemia no Brasil?
CARLOS ARI SUNDFELD O presidente da República tem o dever pessoal de coordenar, em último grau, as autoridades a ele subordinadas nas ações de proteção da saúde da população, ações essas que são um dever da União para garantir os direitos sociais à saúde, nos termos da Constituição. Atitudes ou omissões intencionais e comprovadas do presidente podem levar à sua responsabilização. Para isso será preciso demonstrar seu nexo de causalidade com o comprometimento da ação eficiente do sistema público de saúde.

Por enquanto, o que se tem são indícios a justificar uma apuração. Entre eles, as negativas públicas da gravidade da doença, os desestímulos ao cumprimento de medidas de proteção e a fragilização do Ministério da Saúde com sucessivas demissões de seus titulares.

A forma por excelência para a responsabilização de presidentes em situações desse tipo é a condenação por crime de responsabilidade, em julgamento político-jurídico no Congresso Nacional. Em tese, a situação poderá ser enquadrada nos crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais. Em especial, “servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua” e “violar patentemente os direitos sociais assegurados […] da Constituição”.

CONRADO HÜBNER MENDES A principal maneira pela qual um presidente da República pode ser responsabilizado pelo conjunto de coisas que acontecem na pandemia é um processo de impeachment, baseado em crime de responsabilidade. Ainda que dependa de um gatilho político, que é a escolha do presidente da Câmara e depois dos deputados quanto à abertura do processo, o impeachment é uma responsabilização jurídica, baseada em lei e dependente de fundamentação. A avaliação pode ser feita mais sincera ou mais cinicamente, mas os senadores fazem um julgamento jurídico quando decidem um impeachment. A legitimidade do impeachment dependerá da qualidade jurídica do julgamento, não dos desejos partidários ou populares.

Um presidente também pode ser responsabilizado por crimes comuns, previstos no Código Penal. Nesses casos, não seria responsabilizado pelos resultados da pandemia de forma genérica, mas sim por atitudes particulares que tomou ao longo desse período. Já houve diversas representações à PGR [Procuradoria-Geral da República] de crimes contra a saúde pública, sobre episódios como a participação de Bolsonaro em manifestações durante a pandemia. Outras continuam a chegar. Já por improbidade administrativa o presidente da República não pode ser responsabilizado, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal.

Por fim, vale mencionar também o Tribunal Penal Internacional. Pode ser um tribunal jovem e portanto ainda frágil e hesitante, mas é um tribunal que julga crimes de genocídio e crimes contra a humanidade. E há uma hipótese cada vez mais forte de que a ação de Bolsonaro de inviabilizar políticas públicas de proteção de indígenas constitui genocídio. Portanto ele pode ser responsabilizado individualmente tanto internamente, por crimes de responsabilidade ou por crimes comuns, quanto internacionalmente.

(nexojornal)

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